Fernanda Martins Marques e Helenise Lopes Ebersol
Psicólogas da Creche Francesca Zacaro Faraco
Embora, atualmente, a importância do
brincar para o desenvolvimento infantil seja amplamente reconhecida, é
comum observarmos crianças, por vezes muito pequenas, com uma rotina
bastante atribulada, tomada por diversas atividades e compromissos.
Muitas vezes, fica difícil encontrarmos alguma brecha, na correria do
dia a dia dessas crianças, na qual elas possam, simplesmente, ter espaço
e tempo para brincar. Mas, afinal, por que o brincar é considerado algo
tão importante para o desenvolvimento das crianças?
Segundo Vygotsky (1989) - um dos
autores que embasam teoricamente a proposta pedagógica da Creche
Francesca Zacaro Faraco - o brincar cria a chamada zona de desenvolvimento proximal, impulsionando
a criança para além do estágio de desenvolvimento que ela já atingiu.
Ao brincar, a criança se apresenta além do esperado para a sua idade e
mais além do seu comportamento habitual. Para Vygotsky, o brincar também
libera a criança das limitações do mundo real, permitindo que ela crie
situações imaginárias. Ao mesmo tempo é uma ação simbólica
essencialmente social, que depende das expectativas e convenções
presentes na cultura. Quando duas crianças brincam de ser um bebê e uma
mãe, por exemplo, elas fazem uso da imaginação, mas, ao mesmo tempo, não
podem se comportar de qualquer forma; devem, sim, obedecer às regras do
comportamento esperado para um bebê e uma mãe, dentro de sua cultura.
Caso não o façam, correm o risco de não serem compreendidas pelo
companheiro de brincadeira.
Brincar com outras crianças é muito
diferente de brincar somente com adultos. O brinquedo entre pares
possui maior variedade de estratégias de improviso, envolve mais
negociações e é mais criativo (Sawyer, 1997). Assim, ao brincar com seus
companheiros, a criança aprende sobre a cultura em que vive, ao mesmo
tempo em que traz novidades para a brincadeira e ressignifica esses
elementos culturais. Aprende, também, a negociar e a compartilhar
objetos e significados com as outras crianças.
O brincar também permite que a criança
tome certa distância daquilo que a faz sofrer, possibilitando-lhe
explorar, reviver e elaborar situações que muitas vezes são difíceis de
enfrentar. Autores clássicos da psicanálise, como Freud (1908) e Melanie
Klein (1932, 1955), ressaltam a importância do brincar como um meio de
expressão da criança, contexto no qual ela elabora seus conflitos e
demonstra seus sentimentos, ansiedades desejos e fantasias.
Já Winnicott (1975), pediatra e
psicanalista inglês, faz referência à dimensão de criação presente no
brincar. Segundo esse autor, é muito mais importante o uso que se faz de
um objeto e o tipo de relação que se estabelece com ele do que
propriamente o objeto usado. A ênfase está no significado da experiência
para a criança. Brincando, ela aprende a transformar e a usar os
objetos, ao mesmo tempo em que os investe e os “colore” conforme sua
subjetividade e suas fantasias. Isso explica por que, muitas vezes, um
urso de pelúcia velho e esfarrapado tem mais importância para uma
criança do que um brinquedo novo e repleto de recursos, como luzes,
cores, sons e movimento.
Dessa forma, percebe-se como o brincar é
algo essencial para o desenvolvimento infantil. Uma criança que não
consegue brincar deve ser objeto de preocupação. Disponibilizar espaço e
tempo para brincadeiras, portanto, significa contribuir para um
desenvolvimento saudável. É importante também que os adultos resgatem
sua capacidade de brincar, tornando-se, assim, mais disponíveis para as
crianças enquanto parceiros e incentivadores de brincadeiras.
Referências:
Freud, S. (1908). Escritores criativos e devaneios. Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. IX. Rio de Janeiro: Imago.
Klein, M. (1932). A psicanálise de crianças. Rio de Janeiro: Imago.
Klein, M. (1955). A técnica psicanalítica através do brincar: sua história e significado. Rio de Janeiro: Imago.
Sawyer, R. K. (1997). Pretend play as improvisation: conversation in the preschool classroom. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, Publishers.
Vygotsky, L. S. (1989). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores (J. C. Neto, L. S. M. Barreto & S. C. Afeche, Trans.). São Paulo: Martins Fontes.
Winnicott, D. W. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago.
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